OPINIÃO
A tolerância religiosa, é possível?
Domingo, 29 de outubro de 2023
Por: TOHRU VALADARES
Caríssimo ledor(a), é possível assumir que a diversidade é uma característica não só humana, mas também da natureza. A existência é plural, assim como nós enquanto seres humanos. E essa pluralidade afeta diversos aspectos da vida, dentre eles, as religiões e crenças. Contudo, muitas vezes, as divergências acabam sendo motivo de desavenças, e quando o assunto é religião isso não é diferente, visto que a tolerância religiosa ainda é um princípio que não foi implementado de forma plena. Segundo o Pew Research Center (2020), a perseguição religiosa se faz presente na maioria dos países do mundo, sendo os cristãos e os muçulmanos os grupos religiosos mais perseguidos em termos numéricos absolutos. Essa intolerância religiosa marca uma violação contra os direitos humanos, afetando diretamente as liberdades fundamentais e a dignidade da pessoa humana. Vamos compreender a tolerância religiosa como uma expressão dos direitos humanos, a fim de identificar o seu conceito e a sua importância na proteção da liberdade religiosa, iremos explicitar um pouco sobre os direitos que defendem a liberdade religiosa, independente de quão diferente da sua. Para entendermos o que a tolerância religiosa quer dizer, é importante compreendermos o conceito do termo tolerância e como ele é aplicado para o caso do respeito entre religiões e crenças. A origem da palavra tolerância vem da expressão em latim “tolerare”, que pode ser entendido como o ato de aceitar, ou de suportar algo ou alguém. Nesse sentido, a tolerância estaria relacionada com o comportamento de consentimento de um indivíduo perante uma situação, pessoa e/ou coisa, existe uma grande abismo quando falamos sobre intolerância, discriminação e preconceito, mas, excepcionalmente neste caso, iremos tratar como uma única expressão. Um importante pensador iluminista que tratou sobre o conceito de tolerância foi Voltaire. Em seu “Tratado sobre a Tolerância”, escrito em 1763, o filósofo expressa que o princípio da tolerância se baseia na ideia de que todos são iguais. Dessa forma, para Voltaire, a tolerância está diretamente ligada aos valores da liberdade individual e da igualdade, em que os indivíduos devem ser livres para pensar e se manifestar, assim como devem ser tratados de maneira igualitária. Um ato pode ser considerado como tolerante quando respeita e aceita as divergências nos diversos âmbitos da vida. A partir dessa concepção, pode-se entender que a tolerância religiosa se relaciona com o respeito mútuo e a aceitação da existência de diversas crenças religiosas. Assim, a tolerância religiosa se trata do ato de aceitar e consentir sobre a existência de diferentes religiões, em que o respeito aos seus cultos e convicções são preservados. Como consequência, essa tolerância pode ser vista como fundamental para que a liberdade religiosa seja protegida e preservada. E no que consiste a intolerância religiosa? Bem, se a tolerância religiosa representa a aceitação da diversidade de crenças e a sua livre manifestação, a intolerância diz respeito ao repúdio de práticas religiosas, em que o comportamento discriminatório ganha força. A intolerância religiosa não pode ser interpretada somente como um ato isolado e individual, mas também como um fenômeno social que envolve o sentimento coletivo de aversão à determinada religião ou religiões. Nesse sentido, por questões sociais, históricas, culturais e/ou políticas, muitos indivíduos são induzidos a serem intolerantes com aquilo que muitas vezes desconhecem de forma profunda, indicando que a intolerância carrega em si o aspecto do preconceito. O preconceito normalmente está ligado a um julgamento antecipado, em que generalizações e estereótipos são formados a partir de uma concepção que não se baseia na racionalidade dos fatos ou suas complexidades, não se leva em consideração nem a observação ou experimentação, o conceito é formado tendo como o “achismo” seu mecanismo cientifico para ostentação da ideia pré-concebida. Com isso, esse fenômeno pode gerar sentimentos hostis e repulsivos. No caso da intolerância religiosa, o preconceito se baseia em convicções em relação ao sagrado, em que os dogmas, cultos e divindades seguidos são tidos como moralmente “certos” e resultam na negação de outra crença. Imagem de uma pessoa em posição de oração com o sol ao fundo representando a tolerância religiosa como garantia para o exercício dos direitos humanos, no centro da noção de intolerância religiosa, está a necessidade de estigmatizar (julgar, condenar negativamente), de modo a fazer oposição entre o que é visto como “normal” ou “padrão” e o que é “anormal”. Como resultado, tem-se a exclusão, segregação e afastamento do grupo considerado “anormal”. A efetivação da tolerância religiosa busca valorizar não apenas o respeito à diversidade, mas também o reconhecimento de que, independentemente dos aspectos culturais, étnicos e religiosos, todos são iguais e precisam ter os seus direitos humanos garantidos. Desde a publicação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), em 1948, pela Organização das Nações Unidas (ONU), a liberdade religiosa é reconhecida em nível internacional como parte dos direitos humanos. Assim, o direito à liberdade religiosa garante a livre manifestação de crenças, cultos e práticas religiosas, assim como a liberdade de adotar ou não uma religião. Como consequência, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966, documento de direitos humanos válido mundialmente e com caráter obrigatório, determina que ninguém pode ser restringido de ter a sua crença e que a liberdade religiosa está sujeita apenas aos limites da lei. Isso significa que a prática da tolerância religiosa garante a implementação dos direitos humanos e assegura o respeito à dignidade humana. Com isso, além da liberdade religiosa ser protegida, no âmbito prático, essa tolerância favorece a eliminação da violência, da discriminação e da exclusão social contra indivíduos ou grupos por motivos de religião. Esse combate às atitudes discriminatórias é ainda mais importante na preservação e na proteção de grupos minoritários, que possuem uma maior condição de vulnerabilidade. Nesse sentido, a Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Fundadas na Religião ou nas Convicções, adotada pela ONU em 1981, expressa que: “A discriminação entre os seres humanos por motivos de religião ou de convicções constitui uma ofensa à dignidade humana e uma negação dos princípios da Carta das Nações Unidas, e deve ser condenada como uma violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais […].” No Brasil, especificamente, a Lei nº 9.459 de 1997 configura a intolerância religiosa como crime, determinando a pena de 1 a três anos de reclusão e multa para o ato de discriminar alguém por motivos de raça, etnia, religião ou procedência nacional. Além disso, expressa que fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo, é crime com pena de dois a cinco anos de reclusão e multa. Sendo assim, em casos de intolerância ou discriminação religiosa, deve-se prestar denúncia para as autoridades competentes lidarem com o caso. Essa denúncia pode ser feita para o Disque 100 do governo federal, para o Ministério Público, para qualquer unidade policial, assim como para as Secretarias Municipais de Direitos Humanos. O cenário atual da intolerância religiosa no mundo, milhares de pessoas no mundo possuem as suas vidas ameaçadas em vista das suas crenças religiosas. Como trouxemos no início do texto, um estudo de 2020 do Pew Research Center aponta que há registros de casos de intolerância religiosa em cerca de 90% dos países no mundo. Os cristãos formam o grupo com o maior número de registros de discriminação (145 países); seguidos dos muçulmanos (139); judeus (88); religiosidade popular, que abrangem as religiões africanas, dos nativos americanos e dos aborígenes australianos (37); budistas (24) e hindus (19). Em termos proporcionais, os cristãos lideram a lista, visto que o cristianismo é a maior religião do mundo, representando 31,2% da população mundial, seguido pelo islamismo (24,1%) e pelo hinduísmo (15,1%) segundo o próprio Pew Research Center. Proporcionalmente, portanto, a discriminação contra judeus chama a atenção, visto que representam apenas 0,01% da população mundial, assim como a religiosidade popular, que abrange cerca de 0,4. Em sua grande maioria, as religiões celebram a paz e a união entre as pessoas como princípios fundamentais de sua existência. Contudo, muitas vezes, é em nome da religião e daquilo que se considera sagrado que atos violentos e comportamentos discriminatórios são praticados. Essa incoerência está relacionada com preconceitos e estigmas nos quais se constroem as relações sociais. A busca pela paz de forma violenta marcou historicamente os casos de perseguição religiosa, em que a liberdade individual era negligenciada por motivos de crença. Assim, o reconhecimento da liberdade religiosa como direito humano marca a exaltação da tolerância e do respeito mútuo como meio para o convívio harmônico entre grupos religiosos. Dessa forma, a tolerância religiosa precisa ser fortalecida, por meio de ações individuais, coletivas e institucionais. Paz&Bem.
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